Quantcast
Channel: ICTSD » Intellectual Property Programme
Viewing all articles
Browse latest Browse all 37

Adido agrícola: linha de frente do agronegócio brasileiro

$
0
0

Neste artigo, o autor analisa o papel desempenhado pelo posto de adido agrícola não apenas na resolução de conflitos em mercados aos quais o Brasil já exporta bens agrícolas, mas também na consolidação e conquista de novos mercados.

O desenvolvimento da agricultura brasileira nas últimas décadas não pode ser compreendido quando são analisados apenas fatores internos. Desde o progresso técnico-científico até os números recordes de produção agrícola ano após ano, as conquistas apenas podem ser entendidas quando vistas sob uma perspectiva mundial. A expansão das áreas de cultivo de soja para o Centro-Oeste brasileiro, por exemplo, resulta de um projeto capitaneado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA, sigla em inglês). As supersafras não encontrariam compradores não estivessem os produtos agrícolas brasileiros presentes em mais de duzentos mercados globalmente.

A agricultura é um tema global, com desdobramentos que ignoram as fronteiras nacionais. Esse contexto ensejou a criação, no ano de 2005, da Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio (SRI), no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A Secretaria é responsável pela elaboração de propostas para negociações de acordos sanitários (produtos de origem animal) e fitossanitários (produtos de origem vegetal) com outros países e também por analisar as deliberações relativas às exigências técnicas que envolvam interesses do setor produtivo brasileiro. Seus representantes têm como atribuições intermediar negociações em fóruns bilaterais e multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e Codex Alimentarius; acompanhar e participar das decisões tomadas pela Câmara de Comércio Exterior (Camex); e atuar diretamente em negociações no Mercado Comum do Sul (Mercosul). A SRI é responsável por articular ações de promoção dos produtos e serviços do agronegócio brasileiro e também estimular sua comercialização externa, consolidando a imagem do Brasil como provedor de alimentos seguros e de qualidade. No campo da inteligência comercial, a Secretaria consolida mensalmente a Balança Comercial do Agronegócio, com os resultados das exportações, importações, saldo do setor e os principais destinos e origens.

Uma das conquistas mais importantes da SRI foi a instituição, em 2008, do cargo de adido agrícola junto a missões diplomáticas brasileiras no exterior. Inicialmente, foram designados profissionais para as representações em Buenos Aires, Washington, Bruxelas (Missão do Brasil junto à União Europeia), Genebra (Missão Permanente do Brasil junto à OMC e a outras organizações econômicas em Genebra), Moscou, Pretória, Pequim e Tóquio. Nos postos, o representante do MAPA é subordinado administrativamente ao chefe da missão, de quem receberá instruções para sua atuação. No que se refere à hierarquia diplomática, é equiparado ao cargo de conselheiro.

A instituição do cargo de adido agrícola do Brasil era uma aspiração antiga do setor produtivo. Há tempos, entidades representativas do setor insistiam na necessidade de profissionais de excelência, que defendessem os interesses da agricultura brasileira in loco, junto aos principais parceiros comerciais do país pelo mundo. A criação do cargo foi proposta pelo MAPA e encampada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE). Desde a criação do cargo, a sinergia entre os dois órgãos é cada vez mais intensa. Para ilustrar essa afirmação, basta mencionar que o MAPA é o maior destinatário de mensagens oficiais do Itamaraty na Esplanada dos Ministérios.

As atribuições dos adidos agrícolas são diversas, refletindo a variedade de assuntos envolvidos na internacionalização da agricultura brasileira. Entre as tarefas mais importantes estão: buscar melhores condições de acesso de produtos do agronegócio brasileiro, estudar políticas agrícolas e legislações de interesse da agricultura do Brasil, monitorar possíveis modificações nas políticas sanitárias e fitossanitárias de outros países, participar de eventos sobre assuntos de interesse do agronegócio brasileiro e acompanhar ações de cooperação na área agrícola, incluindo políticas brasileiras de combate à fome e de desenvolvimento rural.

O primeiro grupo de adidos foi nomeado em 2010, há menos de quatro anos. Com o amadurecimento do cargo, essas atribuições serão, no médio prazo, acompanhadas por muitas outras, visto que todos os temas afeitos ao MAPA estão no escopo de trabalho dos adidos agrícolas. A despeito do pouco tempo da iniciativa, a adidância agrícola já colhe frutos significativos.

No mês de maio do presente ano, o Brasil obteve acesso ao mercado japonês de carne suína, o maior do mundo, para a produção do estado de Santa Catarina. Essa conquista é fruto de um trabalho em equipe, que envolveu dezenas de profissionais – no governo e no setor privado –, mas que não seria possível sem os incansáveis esforços do adido agrícola do Brasil em Tóquio. Na África do Sul, o trabalho do profissional lotado em Pretória foi fundamental nas investigações de pratica de dumping contra o frango brasileiro naquele país. Junto à China, por meio dos esforços do adido em Pequim, logrou-se, em 2011, o aumento do número de plantas brasileiras credenciadas para exportar carne de frango para aquele mercado, o que tornou a China um dos grandes importadores do produto brasileiro. Na Rússia, o representante do MAPA em Moscou conquistou, junto a autoridades do governo russo, a intensificação das negociações para a habilitação de plantas aptas a exportar carne bovina, com a vinda de três missões de inspeção ao Brasil somente nos últimos dois anos. Na Argentina, o trabalho da adida agrícola do Brasil em Buenos Aires foi fundamental nos entendimentos entre exportadores e importadores de Brasil e de Argentina, o que garantiu a manutenção do fluxo de comércio de produtos agrícolas entre os dois mercados diante das particularidades da legislação comercial do país vizinho.

Em que pesem as conquistas obtidas, a crescente presença internacional da agricultura brasileira propõe, cotidianamente, novos desafios aos adidos agrícolas. Estes são profissionais capazes de antecipar-se às mudanças constantes nas exigências dos países importadores de produtos agrícolas e de responder, de forma rápida e tecnicamente consistente, aos vários questionamentos feitos pelos parceiros comerciais do Brasil. Para tanto, os adidos solicitam, em grande parte dos casos, respostas de outras secretarias do MAPA, em especial da Secretaria de Defesa Agropecuária.

Dentre os principais temas tratados, destacam-se negociações envolvendo restrições sanitárias e fitossanitárias. Produtos agrícolas enfrentam restrições desse tipo em todo o mundo, independentemente de sua origem. A presença de um profissional especializado representando a agricultura brasileira junto aos principais mercados compradores permite esclarecimentos e trocas de informações técnicas constantes.

Uma das questões que demandam atenção imediata desses profissionais diz respeito à intensificação do diálogo com alguns países que insistem em não reconhecer a decisão da Organização Mundial da Saúde Animal, que classifica o Brasil como país com risco baixíssimo de Encefalopatia Espongiforme Bovina. Centenas de parceiros, muitos deles com serviços sanitários reconhecidos mundialmente por seu rigor, importam atualmente as carnes brasileiras, o que é um reconhecimento da sanidade do rebanho e da indústria do Brasil. Não há motivos para que os demais mercados neguem ou protelem esse reconhecimento.

Outro tema que desafia o trabalho dos adidos agrícolas brasileiros é a reputação ambiental negativa de que a agricultura brasileira foi vítima, por algum tempo, em determinados mercados. Esse problema é tratado em duas frentes: no âmbito doméstico, com iniciativas que garantam a sustentabilidade do agronegócio brasileiro e, externamente, com ações de esclarecimento de nossas credenciais ambientais junto a países parceiros.

Internamente, o governo brasileiro e o MAPA vêm deixando cada vez mais claro o seu compromisso com a sustentabilidade. No ano de 2009, foi instituída a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Tornado público na 15ª Conferência das Partes (COP 15), realizada em Copenhague (Dinamarca), o compromisso prevê que, até 2020, o Brasil deve reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9%, com base nos níveis de 1990. A Política inclui metas específicas, como reduzir 80% do desmatamento na Amazônia, 40% do desmatamento no bioma Cerrado, recuperar quinze milhões de hectares de terras degradadas pela pecuária e ampliar o reflorestamento em três milhões de hectares. No âmbito do MAPA, foi desenvolvido o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC). O objetivo da iniciativa é reduzir o desmatamento e promover a redução das emissões de gases de efeito estufa oriundas das atividades agropecuárias, por meio da adoção de técnicas agrícolas sustentáveis. O novo Código Florestal, além de haver trazido a questão ambiental para o centro do debate político nacional, proporcionará ao país um convívio mais saudável com seus recursos naturais e, aos agricultores brasileiros, maior segurança jurídica para produzir dentro dos limites da lei.

Em âmbito internacional, é preciso que as práticas sustentáveis brasileiras sejam expostas ao público, pois as ações, por si só, não necessariamente implicam a redução do preconceito do qual a agricultura brasileira é vítima na arena ambiental – o qual raramente é ancorado em fatos. O trabalho do adido agrícola está no centro desse processo. Como exemplo, destaca-se a parceria entre o MAPA e o jornal britânico Financial Times na realização de um evento, no ano passado, no Reino Unido, para discutir os aspectos ambientais na agricultura brasileira, em um evento que contou com a participação de autoridades do Brasil, além de acadêmicos, jornalistas e ambientalistas europeus. Nesse evento, foi fundamental a participação do adido agrícola na Missão do Brasil junto à União Europeia.

A internacionalização da agricultura brasileira é um fenômeno em curso. Nos próximos dez anos, em uma estimativa conservadora, as exportações de grãos brasileiros crescerão em mais de 20%, e as vendas de carnes devem crescer acima de 40%. Esses números não serão conquistados sem esforços. Uma arena internacional cada vez mais conflituosa deve esperar pelos empresários do agronegócio brasileiro que se aventurarem pelo mercado externo. Nesse contexto, a importância e dispersão do cargo de adido agrícola brasileiro devem ser cada vez maiores. É decisivo que esses profissionais estejam lotados nos maiores parceiros comerciais do Brasil, para que possam dar respostas imediatas a eventuais questionamentos levantados pelas autoridades locais.

Até o momento, o Brasil conta com oito adidos agrícolas em postos-chave pelo mundo. Comparativamente, os Estados Unidos possuem autoridades agrícolas lotadas em suas missões diplomáticas em mais de oitenta países; a França, em mais de noventa; e o vizinho Chile, em dez. O espaço para a abertura de novas adidâncias agrícolas não é apenas uma questão numérica: basta mencionar que, embora as exportações de produtos agrícolas do Brasil para o Oriente Médio tenham crescido quase cinco vezes na última década e superado a marca de dez bilhões de dólares, o país ainda não conta com um adido agrícola para defender os produtos do campo brasileiro junto aos governos da região.

A globalização e a crise mundial exigem que os países se posicionem de maneira cada vez mais agressiva no cenário internacional. A exportação de commodities sempre fará parte da pauta de exportações brasileira, pois a eficiência da agricultura nacional permite aos produtos do país uma penetração global a preços competitivos. O Brasil acredita que é possível conquistar novos espaços sem deixar de lado os parceiros tradicionais. Da mesma maneira, é preciso que novos postos sejam abertos em mercados estratégicos enquanto se reforça a inserção dos oito profissionais já em atuação. Pela importância que o agronegócio tem no produto interno bruto e na balança comercial do Brasil, disputas comerciais no setor podem estender seu efeito para toda a economia. Nesse contexto, os adidos agrícolas são fundamentais não apenas para defender os interesses do campo brasileiro, mas também para zelar pelas conquistas econômicas do Brasil como um todo.

* Secretário de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).


Viewing all articles
Browse latest Browse all 37

Trending Articles